O Marine Insurance Act de 2015 e suas possíveis influências no Código Comercial Brasileiro
- Flora Gaspar
- 3 de jan. de 2023
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É cediço que o contrato de seguro é aquele em que o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Trata-se, portanto, de um contrato bilateral ou sinalagmático, já que contém obrigações para ambas as partes contratantes, e aleatório, uma vez que o recebimento da indenização depende de um evento futuro e incerto, de modo que o risco segurável é elemento essencial neste tipo de contrato.
Dos diversos princípios que norteiam as relações contratuais, para o tema sob análise, merece destaque o princípio da boa–fé contratual, segundo o qual é estabelecido o dever de esclarecimento da parte nas negociações preliminares, a fim de determinar os riscos do negócio, sendo que a sua inobservância implica o inadimplemento do contrato, ou seja, exonera a outra parte de suas obrigações.
Na formação dos contratos de seguro marítimo, as partes devem observar o dever de informação preliminar, sob pena de anulação do contrato celebrado quando o segurado oculta a verdade ou se cala sobre fato importante para a celebração do contrato.
O Código Comercial Brasileiro, ao tratar dos contratos de seguro marítimo, estabelece no artigo 678 que o segurado especifique detalhadamente os riscos seguráveis, informando ao segurador as circunstâncias pela qual o bem segurado estará exposto, permitindo ao segurador verificar com precisão o objeto e a extensão da cobertura, concluindo, por fim, se há o interesse em celebrar o contrato e em quais termos, como forma de manter sempre o equilíbrio contratual necessário neste tipo de negociação.
A obrigatoriedade de prestação de informações nas relações contratuais é denominada por parte da doutrina de dever anexo ao princípio da boa-fé contratual.
O princípio da boa-fé contratual, quando da celebração do contrato de seguro marítimo, tem suas origens na legislação inglesa, mais precisamente na seção 18 do Marine Insurance Act (MIA) de 1906, onde resta estabelecido que o segurado deve informar todas as circunstâncias materiais antes da conclusão do contrato, sob pena de o contrato ser considerado nulo e o segurador exonerado de suas obrigações.
Entretanto, com advento do MIA de 2015, a partir do ano de 2016 passou a vigorar a nova legislação inglesa sobre os seguros marítimos e dentre as principais alterações trazidas pela nova legislação está o dever pré-contratual de informação, que agora passou a existir como o dever de o segurado realizar uma apresentação justa dos riscos.
Desta forma, com o advento das alterações trazidas, a nova legislação alterou o dever da parte de informar todas as circunstâncias materiais antes da celebração do contrato, para o dever do segurado em realizar uma apresentação justa dos riscos, cabendo ao corretor/segurador inquirir com perguntas que julgar necessárias para calcular o risco do negócio.
Não bastasse, o MIA de 2015 aboliu qualquer regra que isentasse o segurador de sua responsabilidade por inobservância ao princípio da boa-fé contratual durante as negociações preliminares, determinando apenas que ocorra o reequilíbrio contratual, de forma que a mera omissão de informações materiais sobre os riscos do contrato deixou de ser causa autorizativa para a anulação do negócio jurídico.
Neste ínterim deve-se destacar que o Código Comercial Brasileiro baseou-se integralmente na legislação inglesa na sua elaboração, prevendo a possibilidade de anulação do seguro nas hipóteses de o segurado ocultar a verdade, bem como na hipótese do segurado fazer declaração errônea, calando, falsificando ou alterando fatos ou circunstâncias, ou produzindo fatos ou circunstâncias não existentes, de tal natureza e importância que, a não se terem ocultado, falsificado ou produzido, os seguradores, ou não houveram admitido o seguro, ou o teriam efetuado debaixo de prêmio maior e mais restritas condições.
Portanto, a legislação brasileira, em conformidade com a legislação inglesa, vigente até o ano de 2015, também entendida que qualquer ausência de informação por parte do segurado caracterizaria afronta ao princípio da boa-fé, tornado assim o contrato anulável, permitindo que a seguradora encontrasse elementos para afastar sua responsabilidade contratual.
Desta forma, considerando que a legislação brasileira que regula os contratos de seguro marítimo busca apoio na legislação inglesa, a conclusão que se pode chegar, no presente caso, é que a interpretação dada aos artigos 678 do Código Comercial Brasileiro deverá ser realizada à luz do MIA 2015, determinando assim que o segurador é quem deverá inquirir ao segurado as informações detalhadas sobre a operação, de modo a permitir com precisão o objeto e a extensão da cobertura.
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